quarta-feira, 16 de julho de 2008

Exposição - MESTRE DIDI - Da Ancestralidade à Contemporaneidade



Um Mestre da escultura afro-brasileira aos noventa anos

Deoscoredes Maximiliano dos Santos, mais conhecido como Mestre Didi, Alapini do culto dos ancestrais, escritor e escultor, voltado para suas profundas raízes africanas.

Muito embora suas esculturas estejam fundamentadas num processo criativo com fortes laços da religiosidade e da tradição africana, podemos vê-las, além desse mister, com outros aspectos intrinsecamente da escultura propriamente dita. Entretanto, para isso, seria necessário um outro olhar sobre o ponto de vista da estética ocidental; isto posto, uma nova questão se apresenta, de como entender uma criação de obras tão complexas como essas produzidas pelo mestre Didi e seus reais vínculos, com uma e outra cultura, que se mesclam magicamente nessa produção entre arte e religião, entre a África e o Brasil.
O sincretismo no Brasil deixou marcas indeléveis em nossa formação cultural, sobretudo na forma de apreender, devolver e conviver com todos os significados do imaginário sagrado e dos mitos do universo nagô-africano-brasileiro.

“Esta função foi particularmente analisada pelos etnólogos e etno-esteticistas. Nessa perceptiva, supõe-se que os africanos acreditam que a arte, em particular, permite transpor o fosso que separa o real (seres vivos e as coisas, e o irreal - os mortos, os ancestrais míticos e totêmicos, as divindades e as forcas)”
[1], analisa o ensaísta Abdoul Sylla, do Senegal, em seu artigo Criação imitação – na arte africana tradicional.

Mestre Didi é representante legítimo de sua origem Iorubá. “Esse povo era constituído de construtores por excelência, ferreiros, fundidores de ferro, carpinteiros, entalhadores de cabaças, tecelões, cesteiros, chapeleiros; esse povo também criou uma das civilizações mais urbanas da África negra. O povo Ioruba acreditava que o mundo tinha nascido, estava florescendo com uma força artística que, mais tarde, provocou o assombro do Ocidente”.
[2] Pode-se dizer que a obra constituída por esses símbolos, ora religiosos, ora inventivos e livres, vem desse halo criativo e transformador do povo Iorubá, que se fundamenta nesse grande sentido estético e da beleza, na junção de diversos materiais próximos da natureza.

A magia dessas esculturas está na forma como, visceralmente, Mestre Didi transpõe a energia de interpretação mitológica e inventividade de formas, ritmos e composições, se articulando num espaço negativo e positivo, num desafio de equilíbrio totêmico que se abre no espaço, como árvores plantadas numa base de seção côncava e circular. Essa elegância na construção de objetos verticalizantes se desenvolve e se abre no espaço, numa ação de pura gestualidade. Grafismos compostos de múltiplas linhas encastoadas por pequenos anéis de couro, cores vibrantes que amarram as nervuras naturais de palmeiras, são como ritmos alternados que andam no corpo da escultura. Ele também se vale de anéis de miçangas ou contas de louça e de búzios para reforçar a trama dessa obra originalíssima. Alguns desses mastros verticais denominados os Sasaras, os Ibiris, os Ofas, os Opas, são na iconografia do Mestre Didi, exemplos da sua criatividade como um jogo lúdico a construir uma obra com fortes vínculos com a arte sacra afro-baiana.

Devemos aqui citar um trecho de um texto inspirado de Joana Elbein dos Santos, a maior conhecedora do universo místico e artístico do escultor: “A aproximação às obras de Mestre Didi se realiza em dois níveis: o manifesto - significante e ethos – em que a escultura pode ser analisada como forma estética em si, como signo de comunicação comunitária, como elo de comunicação entre o artista e o observador, e o nível latente, condutor de conteúdos abstratos que participam dos mistérios litúrgicos, veiculando elaborações inconscientes onde são sublimadas as fantasias básicas da herança cultural milenar e as do próprio criador. Vale destacar que a comunicação estética, o prazer e a emoção de gozar o belo, não precisam de antecedentes interpretativos, mesmo que aspectos vinculados às latências de obras pouco familiares escapem ao observador.
A emoção é transmitida mesmo desconhecendo-se os significados subjacentes.
O observador se sente participante de uma poesia ancestral e atualizada.

Inspirando-se livremente na simbologia do sagrado inicial de seu povo, suas concepções estéticas projetam com singular sensibilidade a minuciosa técnica a profundidade mística, a tradição e a contemporaneidade da existencial criatividade do sacerdote-artista. As obras de Deoscoredes Maximiliano dos Santos-Mestre Didi, inscrevendo-se na vertente mitológica das artes, projetam uma energia poética de caráter universal. Precisamente pela total independência e originalidade, sua obra se inscreve em uma arte de vanguarda”.
[3]

Emanoel Araújo
Diretor-curador
Museu Afro Brasil





[1] In África e Africanias de Jose de Guimarães - Espíritos e Universos Cruzados, Abdul Sylla, Museu Afro Brasil, São Paulo, 2006.

[2] In A Luz do Espírito - A Arte e a Filosofia Africana e Afro-Americana, Robert Farris Thompson, Random House, New York, 1963.

[3] In Mestre Didi - Esculturas, Juana Elbein dos Santos, Galeria Prova do Artista Salvador, Bahia, 1996.
- A partir do dia 18 de julho até 09 de agosto -

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