segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Happening - Cariocas fazem farofa em BH

Sobre a abertura e montagem da exposição "Piscinão da Benvinda de Carvalho" no sábado, pelo jornalista Douglas Resende, que foi uma dos primeiros entres os ansiosos que chegaram para esperar o ônibus.




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Happening
Cariocas fazem farofa em BH

Galeria Murilo Castro recebe com churrascão 48 artistas que vieram de ônibus do Rio trazendo suas obras de arte
Douglas Resende



foto: victor Schwaner


Sábado, 4h da manhã. Um ônibus com 48 artistas parte do Largo do Machado, entre o centro e a zona sul do Rio de Janeiro, rumo a Belo Horizonte. Meio-dia. O ônibus para na porta da Galeria Murilo Castro, no número 60 da rua Benvinda de Carvalho, no bairro Santo Antônio, e o bando carioca desembarca, carregando travesseiros, malas, mochilões e obras de arte.

O galerista Murilo Castro aguardava, com certa ansiedade, na entrada de sua galeria, que fora preparada para receber a chusma carioca. Ou seja, o espaço mantinha suas paredes completamente brancas e seus interiores vazios, de modo que os artistas montassem a exposição "Piscinão da Benvinda de Carvalho", em alusão à praia artificial que o governo estadual do Rio instalou, em 2001, no bairro de Ramos, subúrbio carioca.

O Piscinão de Ramos costuma ficar apinhado de gente nos ardentes fins de semana cariocas e ficou associado a um programa típico da população suburbana. Mas na "piscina" da Galeria Murilo Castro, a farofa era formada por artistas da classe média carioca, que, enquanto instalavam suas obras de arte contemporânea, no movimentado happening, comiam biscoitos Globo, assavam espetinhos de carne e linguiça e tomavam Itaipava.


A garoa que insistia em cair do céu da capital mineira não atrapalhou o churrasco do "piscinão" da Murilo de Castro. Até porque não há mais ali qualquer piscina - aquela que a galeria possuía, no passado, foi aterrada, pois não era de muita utilidade para os propósitos do espaço. "Não era de grande valia como espaço expositivo", explicou Murilo. "Mas nunca saiu do imaginário do Marco Antonio Portela."

Fotógrafo, laboratorista e artista plástico, Portela é o curador e o idealizador da exposição. "Ressuscitei a piscina", disse ele, justificando que a intenção era aglutinar artistas diversos e provocar, com a viagem coletiva de ônibus, uma interação, "nas brincadeiras e na descontração, geralmente atribuídas ao carioca".

Espontaneidade. Com idades e perfis artísticos diversos, os 48 artistas não perderam sequer um minuto. Apesar da longa viagem, tão logo desembarcaram do ônibus, começaram a instalar suas obras - fotografias, desenhos, vídeo, objetos - ou preparar suas performances, caso de Sra. D., que desfazia com um alicate as tramas de uma gaiola e tinha o rosto sendo pintado para se transformar num pássaro colorido em processo de desengaiolização.

As obras foram montadas espontaneamente, sem método ou diálogo a priori. "Não existe diálogo. Só acúmulo", disse Portela. Tudo foi feito na hora. "O carioca nunca iria chegar e ficar parado olhando, pensando como montar as obras", disse Sra. D., artista que viveu em Belo Horizonte por dois anos, até novembro passado, quando retornou ao Rio para terminar o curso de Belas Artes.

Agenda
o que: Exposição "Piscinão da Benvinda de Carvalho"quando: Até 13 de março, de 2ª a 6ª, das 10h às 19h, e sábado, das 10h às 13honde: Galeria Murilo Castro (rua Benvinda de Carvalho, 60, Santo Antônio, 3287-0110)quanto: Entrada gratuita

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Obras
Fotografias e bom humor

Em menos de duas horas, todos os 48 artistas que participavam do happening já haviam instalado suas obras nas paredes e interiores da Galeria Murilo Castro. E a exposição "Piscinão da Benvinda de Carvalho" já podia ser vista em sua totalidade.

Por questões óbvias, é impossível falar do trabalho de todos os artistas presentes. Mas num rápido "travelling" pela galeria, os olhos são atraídos pelas imagens de Caroline Valansi, que destaca a mise-en-scène em fotografias de família da primeira metade do século XX. Ou pelas imagens de Fernanda Antoun, feitas em câmeras Lomo processadas em cromo invertido (na química "errada"). Ou ainda pelos trocadilhos bem-humorados de Jorge Duarte, que despe seu trabalho do caráter solene da obra de arte provocando o riso. "Xixi e Dadá: Mijar e Assinar" é o título da obra que ele classifica como "organic ready-made", por se tratar de um desenho (portanto orgânico) sobre o famoso mictório de Duchamp (portanto uma imagem pronta). (DR)



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Mostra traz debate sobre coletividade entre artistas
Douglas Resende



Frederico Dalton usava um nivelador para instalar o quadro que emoldurava uma fotografia de sua autoria. Ele estava completamente absorto no próprio trabalho. Ao recuar alguns passos atrás para ter uma visão distanciada da imagem e conferir seu nivelamento, Frederico acabou percebendo o contexto em que sua obra estava inserida. Só então viu que havia um diálogo pertinente entre sua fotografia – que mostrava apenas a silhueta de dois rapazes sentados num skate – e a obra vizinha: na mesma parede grafites, próximos da pichação, expressavam desejos de marginalidade.



O curioso do caso de Frederico é que sua experiência de diálogo com outra obra aconteceu por acaso, a posteriori, numa exposição coletiva reunindo 48 artistas, que foram responsáveis pela montagem das obras, no happening que aconteceu no último sábado, na Galeria Murilo Castro.A exposição “Piscinão da Benvinda de Carvalho” partiu de algumas hipóteses de seu idealizador e curador, Marco Antonio Portela. Lotar um ônibus com artistas para percorrer um trajeto em cerca de sete horas de viagem força a interação. E montar uma exposição num happening reunindo quase 50 artistas estimula ao trabalho coletivo.

“Se caracteriza numa exposição mais coletiva”, disse Luis Sérgio Oliveira, um dos 48 artistas da mostra. “Mas até que ponto conseguimos ser coletivos ou apenas um agrupamento de várias individualidades?”, questionou. Para Luis Sérgio, também professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, um dos elementos mais interessantes da exposição é levantar essas questões acerca do limite entre individualidade e coletividade entre artistas. “Porque os artistas são muito autocentrados na afirmação da individualidade.”



Portela havia ressaltado a “confraternização, as brincadeiras e a alegria” que a viagem gerou. Mas Luis Sérgio apontou outro questionamento: “Tem a confraternização, a amizade, a diversão. Mas quando chega no trabalho, fica individualizado e territorializado”, disse. “Qual seria então o motivo de aceitar o desconforto de uma viagem dessas? Vaidade ou abrir o diálogo para o outro?”, continuou Luis Sérgio com seus questionamentos que ainda pretende responder em um texto futuro.

Por trás da montagem da exposição, tais questões eram levantadas e observadas por alguns. Mas o fato é que em menos de duas horas, mesmo sem muito diálogo, espontaneamente a exposição foi montada. E, pronta, estava visualmente orgânica e bem organizada. Além disso, durante o processo de montagem, era possível perceber também sentimentos coletivos. Em meio a toda movimentação, que à primeira vista lembrava um formigueiro desorganizado, Portela ajudava a fixar os quadros de uma colega. Caroline Valansi registrava com uma câmera de vídeo os preparativos da performance que a artista Sra. D. iria apresentar, enquanto outra colega pintava o rosto da performer.


Publicado em: 16/02/2009
link: http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=103530

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