segunda-feira, 16 de junho de 2008

Exposição - PAULO VIVACQUA




Que arte é essa? Numa época em que tudo está gritando, há o desejo de uma arte quieta na razão inversa do barulho. Que arte é essa que, ao sussurrar, constitui a profundidade do sentido na superfície impalpável do ar? Que arte é essa que nos convida à profundidade da superfície, como se fosse uma pintura de camadas de ar a nos envolver, não pelo tato, mas pelo ato e pelo fato de um som que funda um tempo que se estica preguiçosamente no espaço e que trai a vertigem avassaladora da fragmentação contemporânea? Que arte é essa que quer retornar a alguma forma de constância, e quer ser no tempo parada para que o tempo seja maior que o espaço e nos convide a conviver com uma freqüência mais baixa em que a alma se acalma, o pensamento flui e a leveza possa existir? Que arte é essa que quer criar estabilidade num mundo fragmentado e que, em se fazendo no tempo, quer nos dar acesso para um lugar fora do tempo? Fora desse tempo que se tornou uma medida asfixiante porque quer definições (e elas não são possíveis); porque quer certezas imperais, quando elas não mais existem; porque quer o sentido, onde só há patinação na superfície.

Que arte é essa que nos convida a conviver com a flutuação? Flutuar é conviver na leveza; é buscar a superfície da profundidade. A areia no fundo do oceano, o oceano no fundo da areia, a lua no meio do céu, e o céu no meio de outros céus. Flutuar é ser no som. É pensar por saltos. É ver por justaposição. É a sintaxe do vento. São as folhas se mexendo não por uma causalidade mecânica, mas por uma força impalpável que as envolve e as conduz. A sintaxe do vento é a sintaxe do som atonal, do olhar magrittiniano, do verbo de Becket; de uma narrativa flutuante. Uma narrativa que se constitui no processo não aleatoriamente, mas por uma sincronia que se impõe pela força de um mesmo imaginário. Que arte é essa que quer potencializar um outro imaginário? Um imaginário que possa fluir na leveza da flutuação e cerzir sentido em um tecido esgarçado pelo excesso de demanda de desejos, pela constrição da velocidade, pela dispersão da fragmentação, pelo patético da estupidez.

Que arte é essa que, ao ser confortável aos sentidos, é generosa consigo mesma não gerando expectativas, mas solicitando atenção, delicadeza e disponibilidade? Que arte é essa que quer a calma e a experiência da radicalidade do real, sem os subterfúgios da fantasia da realidade ou, ainda, deseja a fantasia como uma realidade possível? Que arte é essa que tem uma intencionalidade romântica de chegar à coisa em si, mas que dela se desvia, não pelo medo ou pela insegurança, mas pela certeza da abrangência que sabe estar contida naquilo que quer flutuar e nunca se fechar? Que arte é essa que deseja planos mais lentos e consistentes, que nos convida a mergulhar no lago, ver o reflexo das águas, ouvir o som dos ventos e dos pastores, o canto dos anjos e a voz das sentinelas, a presença pelo som, o sentir pela imagem? Que arte é essa que quer ser visível, sendo som; que quer ser som, sendo visível? Que arte é essa que quer esculpir o tempo?

Que arte é essa que quer nos dar o tempo como preciosidade? Paz (o ronco dos vulcões). Paz (o abandono das enchentes). Paz (a fera revoltada). Paz (a solidão da velhice). Paz (a cegueira no precipício). Paz (o grito no sonho). Paz (o som do surdo). Paz (a ferida interna que não se fecha). Paz (a sabedoria do paradoxo). O som do silêncio. O mundo que se expande dentro de cada um de nós. O mundo sem medida ou tamanho, que nos torna cúmplices do nascimento e da morte. Porosos. O som que acalma e a cantiga de ninar. Mãe. O mundo é som (Peter Sloterdijk). Tudo vive no som. Tudo tem tremor de som. O som é o uivo do eterno, principalmente quando há silêncio; quando as palavras se recolhem e o som se amplia e nos reconhecemos no som primordial (Big bang), que fez eclodir a visão e nos gerou no tempo que nos abriga. Que arte é essa que alguns de nós queremos construir e que dê conta das dúvidas, estranhezas, incertezas, imponderáveis, imprevisíveis e tudo o mais que nos aflige, que nos põe frente a frente com o mistério, do qual não queremos escapar, mas o desejamos por ser a saída para um encontro com certezas que nos deixam mais próximos de nós.

Que arte é essa que à la Matisse quer o conforto da paz porque quer confeccionar o sentido no seu limite porque, como Becket, não se trata de localizar o desejo de um sujeito, mas de formatar os outros entre os outros, localizando um lugar? Um lugar onde nos sentimos confortáveis com o desconforto de nosso tempo porque é um lugar abrangente em que não nos escondemos nas mentiras, mas delas nos protegemos ao aceitá-las como verdades. Que lugar é esse que essa arte almeja – o lugar onde talvez alguns de nós gostaríamos de estar –, que indica com seu som que é possível estender o tempo, que é possível ser no tempo, que é possível esquecimento. Que lugar é esse que anunciado pelo fim da história (pelo fim dos tempos) é aguardado como uma reconciliação com o uno e que hoje experimentamos como o incontrolável deslocamento do múltiplo? Que lugar é esse inventado pela arte, que hoje ela recusa ocupar, mas que almeja recuperar como o lugar onde a vida sempre esteve? Que lugar é esse?

Marcio Doctors



Em exposição do dia 20 de junho a 12 de julho

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